segunda-feira, 30 de julho de 2018

SE ESTIVESSE




Se estivesse aqui

pedra do reino

luz entre as janelas

a paz nas favelas

sossego no peito

Se estivesse aqui



Cetim que acaricia a pele

claridade de nossa casa

a lebre que tanto percorreu a estrada

danças de roda das crianças descalças nas calçadas

Alço voo em sete braçadas

Se estivesse aqui

As curvas de minha estrada



Sinais de fumaça

pintadas lajes e escritas pedras

guitarras e bandolins

Sinais se estivesse aqui

o café esquentado na varanda

azuis rosas laranjas

frutas na quitanda

sonhos e barcaças

zarpando para as luzes nas estradas

Se estivesse aqui



Reflexos

perplexas na água

minhas mãos mal lavadas

agonia e vazio

e com os passos passarinho anunciando

a batida de minhas asas

para me aprofundar no rio

e passar

como a lua passa

chuvas passadas



janela da alma me encara

e o buraco no chão acende a chama

penetrando na imensidão

quartzos e diamantes

sóis

estantes

encaro e no fundo do túnel

veria sinais de fumaça

zarpando para as luzes nas estradas

Se estivesse aqui

sexta-feira, 20 de julho de 2018

ODE AO ECLIPSE




Nas rédeas do castelo

submerso em pensamentos

acalora o sentimento

de finalmente estar aqui

Após tanto fugir



das noites infinitas

que nunca se dissipariam

observo as luzes

que corriam contra mim

mas não me viam



Gira à Lua das ruas

Girassóis sonoros já giraram

Girei



Dos eclipses totais

Medos terrenos

Dos eclipse lunares

Noites sangrentas

desesperos



O trago o gole o roubo

a raiva o soco a tapa

as espadas os dragões e os santos

meteoros sobre a noite estrelada



trânsitos vazios transitei

cortes profundos rasguei

para cores profundas ceguei

Até notar que lá no céu

Gira a Lua



Girei

quarta-feira, 18 de julho de 2018

SÍNTESE (A ALVORADA)

Tudo cru
e meus sonhos queimados com fermento
açúcares falsos e diabetes derradeiras
falta de ar
mais um menino jogado à asma e ao sereno
sereno tento
mas do alto da desatenção
o desengano me faz querer voar de encontro ao vento

E quanto ao vento
parece que ele me sopra pra longe de mim
e toda minha vida passou voando
como um pássaro tentando
quebrar as grades da gaiola
e quando rompem-se as correntes
as asas e as patas
as dores e as mágoas
te aprisionam ainda mais
que as masmorras e as escolas

E quanto às asas
sempre disseram para sempre podá-las
para que então eu aprendesse como deveria usá-las
E quanto às patas
sujas de barro e atrofiadas
quando eu mesmo me disse como amputá-las e suturá-las
E quanto às mágoas
Ilusões válidas e inadequadas
ressentimentos comumente associados aos arrependimentos e as dores
Quanto as dores
em seus caminhos infinitos
sangue e lágrimas
carcaças
cemitérios
medalhas
transformar esses venenos em água
ou acabar sucumbindo
À morte contra a vida.
SÍNTESE (A AURORA) 








Vielas vazias
saltitam sentimentos
lamentos
o nojo dos desejos
faz tornar-se desatento
copos vazios antes cheios
e além de tudo
a fuga do tempo
vícios e virtudes
queimando rapidamente
a eternidade do tempo
as folhas das memórias inflamam
mas as cinzas não se perdem
na duração do tempo
e morando nesse tempo

Contemplo a imensidão
no abismo dos bares e templos
A escuridão reluz a luz
o dourado ouro então em meu corpo
manchado com as penúrias e os desgostos
pode então me refletir
e me despir desta invisível e inseparável
cápsula do tempo

Na trilha do vale da morte
o sorriso ressuscita a vida
sem negativo para a negatividade
surge a positividade
essa é a sua sorte, se puder
Na trilha do vale da morte
corre então
meu eu pula ao mar
e se jogando nas ondas da existência
surfa-se nas harmonias profanas da alegria
da Aurora,
neste dia, nesta hora. 






quinta-feira, 12 de julho de 2018

ASCENSÃO 





Caído, os farrapos da asa partida espalham-se ao meu redor, assim como o rasgado cetim das minhas vestes expondo as profundas chagas resultadas do contato corporal com as raízes espinhosas de ancestrais árvores que rodeiam o fétido riacho que corta esta maldita terra esquecida. O ardor das chagas pouco se compara à dor nos cegos olhos e às visões dos ideais inatingíveis, e enquanto levantam-se os joelhos moídos que antes adormeciam deitados na cama de pregos formada pelas podres folhas mortas, sinto os humanos e ébrios sentidos tentarem reorganizar-se após o tombo celestial.


O imemorial som das harpas agora parecem um turbilhão ensurdecedor do silêncio na mais escura hora das terras infernais. De fato, nenhuma vivalma se atreveria a cruzar esses longos e abandonados corredores esquecidos, onde o fogo do inferno parece atraente ante o totalitário vazio destas galerias. Nenhuma curva – uma polegada e um pé em nada se diferem quando a distância é infinita.


Os pensamentos no figo dourado retornam, misturados à embriaguez da expulsão e a euforia da revolta contra a ordem. Como eram claros aqueles dias de glória em que a vitória seria possível – como cheiravam bem as ambrósias e as margaridas, como tocavam com suavidade aqueles profundos tão distantes mas sempre próximos olhares divinos de amor, sinalizados por silenciosos sinos monotônicos. Transitando entre a alegria do momento junto ao abismo dourado e o pesar de sua impossibilidade, adentram meus pés em uma pequena e medieval vila demoníaca.


Obscuros vultos perversos só conseguem entrar pela minha percepção pelas periferias dos meus sentidos. Vestidos em trapos, escuros e claros, observam-me rapidamente e arremessam suas portas antes entreabertas contra o mundo. A normal reação quando demônios veem anjos invadindo seu bom e velho lar. Tentando balbuciar palavras de amistosidade, a língua mal acostumada se embola e apenas bêbados murmúrios e doentes gemidos se fazem ouvir entre o batuque da ancestral tribo lunar e o choque dos portais nas frágeis paredes dos casebres.


Neste lugar em decomposição, minha antes limpa áurea torna-me um ímpio lobisomem vagante e abandonado, ao livre talante de todos. Queria ser Ícaro, mas minhas asas já restam derretidas na desilusão, e as ceras vulcânicas feriram-me marcando toda a casca com eternas e ondulares cicatrizes. Caminho assim acompanhado de olhares misteriosos e invisíveis por este labirinto, entreolhando-me por entre os robustos ramos de argila, em busca do Minotauro. O lugar é ameaçador, e sinto que só não fui destroçado por cães canibais porque a podridão e a infâmia são as melhores armaduras contra animais psicóticos. Exalo álcool, perdição e divindade, pareço-me sonhos, alegrias e desastres.


Avisto uma distante e familiar árvore na saída da vila. Memórias, cheiros e choros me levam a crer que já chupei do sumo de alguns frutos que destes galhos caíram. Alguns levaram-me a comunhão, outros a devastação e muitos a lugar algum: a não ser aqui.
No alto, o mais suculento fruto está rodeado de todos os outros – e aparentemente iguais – caminhos. Me apressando em direção ao colosso do destino, visualizo uma curva, um oásis de indecisão nesta terra sem escolha.


Estou ao pé das infinitas bifurcações. Minhas mãos suaves aguentarão o contato com o quebradiço tronco? Meus pés suportarão o peso do meu corpo contra a gravidade? A acácia rósea suportará as toneladas da medrosa passividade? 


O figo dourado – não sei se ele vive ou se morreu, ou se escolheu outro caminho neste gigantesco labirinto – se encobre com as densas flores dos medos que atravesso ao me pendurar nos galhos. Meus medos ou seus medos?

Ascenderei ou Cairei?



quarta-feira, 11 de julho de 2018

CICLOS 






Besouros voem para fora das narinas
Gavetas vazias do nada fechem-se
Enterrados atrevam-se a espalhar-se
Os gametas para o ovário da terra
e a negra fuligem dissipe-se
e se contraem os canais nas marinas
fechando-se nas bolhas e acendendo-se
os castiçais

Flama presa novamente ao fio
alimentando-se novamente da cera
ladeiras e cortiços
parabrisas sonhos e maneiras
A cinza volta a cada quarta-feira
e espalhando a chama pelo forrar da cabeceira
fechem-se os livros e acendam-se
os castiçais

Pássaros pousam nas orelhas
azuis anéis em suas patas recolhem
e voam ao norte na direção do planeta
diamantes que caem do céu no sertão
vidas enchentes verdejares
cirandas cantigas e tambores trovoem
a prece das crianças e seus amores acendendo
os castiçais


INFINITOS SÓ(I)S



Por entre molduras, o gordo e velho Sol, 250 pés acima da minha cabeça, dispara raios dourados inatingíveis que emanam de sua coroa de espinhos dourados. O calor que fervilha do bule de chá na cozinha da enfermaria faz as glândulas do dorso expelirem lágrimas por entre os poros que compõe a esburacada muralha negra do meu corpo.

A luminosidade branca da lâmpada fluorescente machuca a íris, e o suor vem para refrigerar a aridez que a mesma pintura de sempre causou nas minhas lentes acostumadas a admirar os astros mais distantes nos confins do espaço-tempo, em suas órbitas neurais pelas redes cósmicas.

O frio das hélices barulhentas queima as mãos com os 45º graus do meio dia, e a sombra da diminuta cela torna-se o refúgio de uma oliveira ou olaia, com os mesmos galhos e cordas convidativas que seduziram Judas, me protegendo do céu aberto acima das planícies artificiais incrustadas entre azulejos e mármores resplandecentes e quebrados.

A artéria, que reside na ponta de uma agulha conectada a um líquido azul faz-me sentir a insolação outrora tão prazerosa, em que pedaços da minha carne ardiam por dolorosos dias após prazerosos momentos à beira-mar dos gigantescos e salgados rios onde estrelas do mar nasciam e explodiam e cavalos-marinhos corriam livres pelos arados do reino do regente desconhecido.

Longos comprimidos descem minha garganta e a sensação de escassez de água me faz retornar as longas caminhadas junto aos escravos e a Moisés. Abrem-se os mares vermelhos da minha garganta para a passagem das tábuas da racionalidade e da estabilidade emocional, e meu esôfago floreia com a ânsia de vômito ao observar os meus iguais serem devorados por urubus no meio desta terra homogênea devastada.

A mão toca a maçaneta e recua ante a queimadura do ferro fervido, restando marcada pela marca do pecado junto a pulseira de identificação da normal anormalidade que me torna um singular semelhante aos outros anormais.

No pátio, os olhos se dirigem ao chão de estrelas. Sou louco, palhaço das perdidas ilusões, por ver 1,2,3,5,1597,2584 sóis arremessando seus raios por todas as direções em minha direção. Ponho meus escuros óculos de grau.