quarta-feira, 6 de junho de 2018


RUÍDOS



Daqui escuto tudo. Do centro do quarto, as grossas paredes negras manchadas de lodo e mofo conservam o abafado frio aconchegante no qual flutuo tal qual um feto boia jogado ao mar vermelho. Dentro desta cápsula viajante do tempo, sinto-me em um não-lugar. O som do silêncio emudece o turbilhão fervilhante das ondas do oceano exterior que teimam em se chocar contra o casco do navio à deriva. 

As ondas estáticas e cinzas sem direção trazem aos ouvidos sombras de um noticiário matinal, uma receita auditiva que mescla o desejo do contato colorido do toque de um arco-íris com o cheiro incolor das lamas saídas de um vulcão obscuro que expeliu todo o gelo capaz de pôr os cabelos do planeta em chamas.

 Atravessando as finas paredes, o canto dos pássaros verdes planando junto ao vento em um céu azul distante se fundem com os gritos inaudíveis dos barqueiros apressados do porto... o odor dos vendedores de peixes anunciando sua viva mercadoria perfumada em frascos, das baratas tintilando entre frutas podres que as crianças esfarrapadas tentam coletar quando não estão pedindo moedas para os apressados camponeses que tentam chegar ao seu destino além-mar cruza com uma velocidade incalculável pelas badaladas dos ponteiros temporais.

 Os barcos barulhentos – Plam! Plam! – dançando e escorregando sob suas negras manchas oleosas têm dificuldade em atravessar a parede de corais que pululam com a vida de milhares de micro-organismos imperceptíveis. 

Sobre Eles, um caranguejo caminha pela teia em busca de pequeninas e apetitosas algas, e o estrondo de seu andar se funde com a cantiga medieval que atravessa os muros transparentes de uma escola juvenil de música onde sanfonas e flautas pintam o som com o violeta-anil rasante de uma melodia ardente e calma. 

A rosa que atraiu a abelha com seu odor harmônico grita um gemido de dor quando pisoteada pela roda de madeira cor de cravo arrastada por cavalos chicoteados que trotam em uma marcha constante – um, dois, um, dois – enquanto um pesado saco machuca a terra com um impacto que o rasga por completo, despejando batatas sobre o marrom do chão de terra batida misturada com o piche mal conservado. 

Murmúrios de menestréis suados cruzando as perigosas florestas áridas ressoam junto aos cheiros de princesas bandidas que vagam sob um céu roxeado cintilante e cheio de vida, e as águas que jorram quando o trem seguindo o vento do norte corta as artérias espalhando toda a terra escurecida e revelando o virgem som rubro do líquido expelido pelos motores da locomotiva. 

Daqui vejo tudo. Abro as janelas e a torrente de cheiros quase me ensurdece. Acima do arco-íris o ouro jorra entre meu corpo e os aromas de frutas prateadas caindo em um chão que nunca chega não são diferentes dos perfumes das harmônicas tocadas no longínquo e sempre presente cais. O silêncio e o Eu – um, dois, um, dois, um milhão – viajamos tanto que já esquecemos quem somos. 

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