TORNADO
O branco nunca se enamorara pelo negro, assim como o sol jamais olhou
pra lua entre a infinidades de corpos sagrados brilhantes na malha
negra da manta de Deus. Em meus joelhos deitou-se, e com o punhal
arranquei suas vísceras róseas banhando-me no mel da vida que
corria sobre os rios e coloria de verde os matagais que cruzavam os
longos desertos.
Tempestade. Um automóvel derrapando em uma curva acentuada à 150…
200 quilômetros por hora invadiu a calmaria do sublime e
arremessou-a contra o muro branco que serpenteava o fora da via. De
seus mananciais correram cachoeiras vertiginosas, e dos ventos
friccionados explodiam faíscas que eletrocutavam todas as partículas
de alegrias e as dividiam em infinitas dores eternas. No fundo
imemorial o horror se expandia com a força de uma vingança e do
rancor sutil que cobria toda a individualidade recalcada, refúgio e
masmorra da barca onde a essência recobria a existência.
Arrancando todas as árvores e as enviando para o céu, a inundação
lamacenta invadia todos os resíduos do que antes eram as residências
dos justos, e o paraíso dos belos foi engolido pelo coração do
tornado sem objetivo. Mentindo para si mesmo, só restava vagar
destruindo os alheios Jardins assim como os sopros interiores tinham
apagado os castelos de areia de uma infância distante, de um
inexistente amor juvenil e de uma poesia que passou como um relâmpago
pela consciência e se descarregou em uma árvore queimada pelo pesar
e pela rotina.
O desejo era de tornar-se uma leve brisa que transitaria pelas
lentidões das várzeas, pelos poros do universo o infinito de únicas
possibilidades que conduziriam às velocidades inimagináveis.
Tornar-me beleza: O sonho que de modo algum atingiria… O sonho que
me levaria a assassinar o desejo. Letras de existências mentirosas,
de uma sinfonia assassina secreta que surgiu da decomposição do
corpo luminoso em contato com as trevas abismais.
Não pude me salvar, então te matei. Enterrada em milhares de
pedaços, restam soterrados seus restos mortais em um cemitério
indigente no fundo da consciência. Suas vestes incineradas em um
forno em que o pão transmutado fermentava-se são cinzas queimando
pelo caminho e seus cabelos serviram como cortinas das janelas da
capela onde todos os dias os sinos badalam em memória aos sonhos
mutilados que atravessaram o campo minado acreditando que a explosão
poderia ser contida. Tragam de volta os bons e velhos dias…




